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Archive for the ‘Juridiquês’ Category

Semana passada um amigo resolveu questionar a educação institucionalizada, enquanto conversávamos sobre métodos e escolas. Na opinião dele, deveria ser possível a qualquer um educar seus filhos em casa, não podendo o Estado alegar abandono intelectual pelo fato de o filho não frequentar a escola.

Argumentei que um currículo básico (criado pelo Estado) tem dupla finalidade: enquanto busca uma certa uniformidade na educação em todo o país, tenta garantir um nível mínimo de desenvolvimento a partir da exigência que qualquer instituição de ensino cumpra aquele mínimo. O mínimo é exatamente isso: um mínimo. E a educação institucionalizada de certa forma buscaria a mesma garantia.

E eu fiquei de explicar pra ele, aqui no blog, porque o Estado quer que ele estude e, consequentemente, porque quer que ele coloque os filhos em uma escola ao invés de sentar com eles à mesa da sala cercado de livros de cálculo (matemático), biologia e física avançada.

Nada que o Estado faz decorre de bondade ou solidariedade ou compaixão. O Estado não é um ente despersonalizado caridoso, mas um ente criado com um objetivo simples: externalizar e tornar minimamente imparcial aquele poder que todos nós temos de mandar em nosso próprio destino. Esse poder central termina por ser o “guardião” dos valores defendidos pela sociedade que o criou, e daí surgem as políticas públicas.

Criam-se políticas públicas para implementar aquilo que a sociedade (no nosso caso, através da Constituição) entende como essencial, como mínimo. E aqui entra o texto constitucional em suas diversas passagens:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
XXIV – diretrizes e bases da educação nacional;

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VII – garantia de padrão de qualidade.

Daí que a Constituição toda fala “Estado, garanta à sociedade o acesso à educação” – fala-se Estado, não Executivo, ou seja, não se fala em Ministério da Educação, secretaria estadual ou secretaria municipal ou, ainda, em União, estado e município ou em presidente, governador e prefeito. Cabe ao Estado garantir isso, e, em cabendo ao Estado, o constituinte originário (aquele que, lá atrás, representando a sociedade – e não entremos no mérito de como esses representantes foram escolhidos à época) entendeu que deveria a União (e não o Ministério da Educação ou o presidente) ficar encarregada de legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional.

Quem legisla nessa esfera? O Congresso. E aí surgiu a famosa Lei de Diretrizes e Bases (a mesma que nos idos de 1998 me deixou preocupada com a minha formação técnica e a possível obrigatoriedade de eu ter que fazer faculdade para dar aula, perdendo três anos da minha vida acadêmica).

Segundo a LDB, “é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental”. E esse dever é reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

Mas e se eu quiser educar minha filha em casa? Por que o Estado define as diretrizes? O “Estado” é um discurso absoluto. ‘É porque eu quero’. Acho que o Estado se mete muito em tudo.

Livre arbítrio, autonomia privada, liberdade e tudo o mais, nossa liberdade é limitada àquilo que não nos é vedado ou a cuja prática a sociedade não se opõe.

Oposição social = lei.

É a lei que define o parâmetro de comportamento socialmente aceito, criado pela própria sociedade. Pressupõe-se que as regras são criadas sem emoção, o que é irreal, obvio. Por isso, inclusive, as diferenças entre a constituição americana e a nossa. A deles foi criada em um contexto de “eu quero resolver tudo, dane-se o estado; ele só interfere quando for essencial” e tem sobrevivido a base de emendas (poucas) e interpretações (muitas). A nossa foi criada pós ditadura, quando se percebeu q deixar as coisas muito abertas significaria permitir muita interpretação, e muita criação no ato. Por isso ela é enorme, detalhada.

Se você quer matar alguém, ok, mas esteja ciente das consequências, previstas no Código Penal (aliás, se você nunca percebeu, repare que o Código Penal não diz “é proibido matar” em lugar nenhum). Se você não quer matricular seu filho em uma escola, opta por educá-lo em casa, ok, mas esteja ciente das consequências. E saiba que enquanto a Constituição falar em garantia do padrão de qualidade pelo Estado e a União entender que não tem como garantir essa qualidade deixando que cada um eduque seu filho como e onde quiser, o abandono intelectual estará te assombrando:

Art. 246 – Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

Mas até aqui foi juridiquês puro… Independentemente disso, há um conceito muito mais simples por trás do interesse em educar a sociedade: a produção de riqueza. Quanto maior o valor agregado de um bem, maior a arrecadação de tributos; quanto maior o capital intelectual colocado na produção daquele bem, maior seu valor agregado; quanto maior e mais complexa a formação (acadêmica, profissional) de um determinado indivíduo, maior o capital intelectual que ele produz.

O Estado não força a educação institucionalizada por ser bonzinho – o conceito de bondade é subjetivo, inerente a pessoas, e o Estado não é uma pessoa, o Estado não sente.

Tampouco a educação institucionalizada é defendida por pura previsão constitucional – previsão constitucional precisa de regulamentação e, no caso da LDB, essa regulamentação veio em 1996, 08 anos após a Constituição. Querem um outro exemplo? Adicional de penosidade, previsto no art. 6º da Constituição – cadê a regulamentação? [Olha que nos meus anos enquanto professora eu lamentei amargamente a ausência desse adicional, embora reconhecendo a redução no tempo de contribuição para aposentadoria.] Quando o poder público não tem interesse, se omite. Fortemente.

Mas daí a gente desce a lei toda e olha láaaa embaixo quem era o digníssimo presidente da República Federativa do Brasil: Sr. FHC, cuja meta principal era gerar mais riqueza.

O Estado quer que você estude porque você tem mais valor quanto maior o valor que você consegue agregar aos bens e serviços que você produz. Capitalismo puro, meu caro. Não é socialismo, não é comunismo. É o entendimento de que se vo Estado controlar minimamente quem estuda o quê, onde e como ele poderá aumentar o IDH, capacitar um maior número de pessoas, produzir bens de maior valor e aumentar a arrecadação.

O fato de sua filha ser beneficiada com essa educação institucionalizada é um detalhe. Um detalhe que calha de ter previsão constitucional e calha de ser um dos balizadores do próprio Estado brasileiro. A diferença é que é um detalhe que combina com diversas outras políticas públicas. E, em assim sendo, será perseguido, defendido e protegido, ainda que com isso se afaste a sua liberdade de educar sua filha exclusivamente em casa.

Mas, por favor, complemente a educação institucional. Os professores agradecem.

***

Em tempo:

O Código Penal já falava em abandono intelectual. O ECA é de 1990 e já continha a obrigatoriedade de matricular o menor em instituição de ensino. A única inovação trazida pela LDB foi exatamente a uniformização do currículo, que passou a ser nacional (admitidas peculiaridades locais).

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joinha 2013Retomamos o Prêmio Joinha em graaaaande estilo, graças a contribuição de nossa colaboradora Dani S. e da minha, da sua, da nossa deputada estadual Myriam Rios.

Daí que Myriam Rios estava bolada. Boladíssima. Tanto que em 2011 soltou essa pérola:

[O] direito que a babá tem de se manifestar da orientação sexual dela como lésbica, eu tenho como mãe, de não querê-la na minha casa, para ser babá das minhas filhas. Me dá licença? São os mesmo direitos. Com essa PEC, eu vou ter que manter a babá na minha casa, cuidando das minhas meninas, e sabe Deus, se ela inclusive não vai cometer a pedofilia com elas. E eu não vou poder fazer nada. Eu não vou poder demiti-la.

Mas engana-se quem pensa que essa foi sua primeira manifestação em defesa da moral e dos bons costumes. Ela já tinha, como boa legisladora, ciente de sua competência (= atribuição), apresentado um projeto de lei, em junho de 2011, com a seguinte justificativa:

Infelizmente, a sociedade de uma maneira geral vem cada dia mais se desvencilhando dos valores morais, sociais, éticos e espirituais. Valores esses que são de extrema importância para que nossa sociedade caminhe para o crescimento.

Sem esse tipo de valor, tudo é permitido, se perde o conceito do bom e ruim, do certo e errado. Perde-se o critério do que se pode e deve fazer ou o que não se pode. Estamos vivendo em um mundo onde o egoísmo e a ganância são predominante.

Na busca de um mundo melhor o programa, descrito nesse projeto, objetiva formular proposta de ações educativas e sugestivas, direcionadas a criança, jovens e adultos despertando uma grande mudança na sociedade fluminense.

Diante dessa realidade, a criação do programa supracitado, que tem como objetivo principal conscientizar e reinserir valores de suma importância para que possamos construir um futuro melhor, onde haja principalmente respeito pelo próximo.

Sim, sim, deputada. Moral e bons costumes. Reinserir valores morais, sociais, éticos e espirituais. Um programa estimulado pelo Estado, para acabar com o egoísmo e a ganância e o capitalismo e o fascismo e o que mais mesmo que tá na moda no discurso? [Eu sou da época do FORA COLLOR FORA FMI FORA FHC SIM À MORATÓRIA… Estou desatualizada…]

Você está preocupado com a decadência da sociedade? Teme pelo futuro dos seus filhos? Acha que o estado brasileiro possui valores incompatíveis com a moral e os bons costumes? Tem percebido uma queda nos padrões sociais e acha que cabe ao Estado intervir? Pois não tema! É para você a Lei estadual nº 6394/13, devidamente sancionada pelo Governador e que parece ter feito o secretário estadual de Assitência Social e Direitos Humanos engasgar com o cafezinho que tomava…

Com vocês, o “Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais”. Obrigada a todos os envolvidos e vamos todos acompanhar.

***

Lei Nº 6394 DE 16/01/2013 (Estadual – Rio de Janeiro)

Data D.O.: 17/01/2013

Institui o “Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais” no ambito do Estado do Rio de Janeiro.

O Governador do Estado do Rio de Janeiro

Faço saber que a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º. Fica instituído o “Programa de Resgate de Valores Morais, Sociais, Éticos e Espirituais” no âmbito do Estado Rio de Janeiro.

Parágrafo único. O Programa deverá envolver diretamente a comunidade escolar, a família, lideranças comunitárias, empresas públicas e privadas, meios de comunicação, autoridades locais e estaduais e as organizações não governamentais e comunidades religiosas, por meio de atividades culturais, esportivas, literárias, mídia, entre outras, que visem a reflexão sobre a necessidade da revisão sobre os valores morais, sociais, éticos e espirituais

Art. 2º. O Poder Executivo deverá firmar convênios e parcerias articuladas e significativas, com prefeituras municipais e sociedade civil, no sentido de possibilitar a execução do cumprimento ao disposto nesta Lei, com os seguintes objetivos:

I – promover o resgate da cidadania;

II – fortalecer as relações humanas;

III – valorizar a família, a escola e a comunidade como um todo.

Parágrafo único. Serão desenvolvidas ações essenciais que contribuam para uma convivência saudável entre pessoas, estabelecendo relações de confiança e respeito mutuo, alicerçada em valores éticos, morais, sociais, afetivos e espirituais, como instrumento capaz de prevenir e combater diversas formas de violência.

Art. 3º. O programa disposto no caput do Artigo 1º terá como órgão gestor a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos.

Art. 4º. As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas, se necessário.

Art. 5º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Rio de Janeiro, 16 de janeiro de 2013

SÉRGIO CABRAL

Governador

Projeto de Lei nº 573 A/11

Autoria da Deputada: Myrian Rios

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Blá blá, muito tempo sem postar, blá blá, vou tentar publicar com mais frequência, blá blá.

Sou advogada, blá blá, licenciamento de software, blá blá, em inglês, blá blá, grandes empresas, blá blá.

Ok, todos já sabem. Mas isso aqui é sempre uma novidade:

“Customer acknowledges that the Software is not designed or intended for use in the design, construction, operation, control or maintenance of any nuclear facility, and Customer hereby waive any liability against Company for an losses, claims or liability related thereto.”

Então, cliente querido, se você pretendia aproveitar que estava licenciando o software pra fazer aquele projeto bacana de uma usina de energia nuclear naquele pedacinho de terreno que você não sabe bem pra que vai usar, faz isso não, tá? Como diria a filha de um amigo, “Não pódji!”

Faz a gente se perguntar que tipo de indivíduo pega um software, usa pra uma finalidade totalmente diferente daquela pra qual ele foi obviamente desenvolvido, processa o desenvolvedor e dá tanta dor de cabeça a ponto de o Jurídico se sentir na obrigação de colocar um disclaimer como esse aí. Seria mais ou menos como usar o Paint para fazer um projeto de construção de uma plataforma de petróleo, processar a Microsoft pelas falhas no projeto e ganhar.

***

[Estava quase pesquisando o nominho da empresa em questão associado a “nuclear facility” quando lembrei que essa não é a primeira ocasião em que eu vejo um contrato com esse disclaimer específico. Tem gente por aí construindo usinas nucleares assim, sem usar os softwares adequados? Hum… Preocupante.]

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Apple tomou outra chapuletada hoje na Europa naquela clássica briga “você copiou meu design depositado e agora você tem que parar de vender o seu produto”.

E agora ela vai ter que publicar em seu site um link “Samsung/Apple UK Judgement” direcionado à decisão da Corte (válida para a toda a União Européia).

Vai um curativo aí?

Na decisão unânime do colegiado formado por três juízes, a apelação da Apple foi indeferida, o tribunal alemão que concedeu uma cautelar para a Apple foi avacalhado no estilo “data maxima venia” e é possível ouvir as gargalhadas dos advogados da Samsung.

Recomendo a leitura (aqui, via Consultor Jurídico), mas destaco o ponto em que o juiz fala sobre a necessidade de a Apple publicar a decisão em seu site, depois do furdunço que ela própria causou entrando com ações em diversos países e interpretando de forma equivocada a decisão anterior (e depois de argumentar que a publicidade era necessária para “dispel commercial uncertainty”:

Of course our decision fully understood actually lifts the fog that the cloud of litigation concerning the alleged infringement of the Apple registered design by the Samsung Galaxy 10.1, 8.9 and 7.7 tablets must have created. And doubtless the decision will be widely publicised. But media reports now, given the uncertainty created by the conflicting reports of the past, are not enough. Another lot of media reports, reporting more or less accurately that Samsung have not only finally won but been vindicated on appeal may not be enough to disperse all the fog. It is now necessary to make assurance doubly so. Apple itself must (having created the confusion) make the position clear: that it acknowledges that the court has decided that these Samsung products do not infringe its registered design. The acknowledgement must come from the horse’s mouth. Nothing short of that will be sure to do the job completely.

Ouch.

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O desafio atual para o mercado e para o regulador no Brasil é desenvolver infraestrutura para atender os grandes eventos que se aproximam. Copa e Olimpíadas estão aí, na nossa porta, e o fluxo de pessoas e de informação será tão grande que o mapa de rede existente e a distribuição de seu uso entre os agentes não atenderá essa demanda.

Só que infraestrutura é um treco caro. Depende de obra, de dinheiro, de dor de cabeça, de fluxo de caixa, de project finance às vezes. O investimento é tão grande que pode se tornar proibitivo, se considerarmos que o retorno depende de mercado consumindo o serviço ou o bem ao qual aquela infraestrutura se associa.

Alguns tipos de infraestrutura são, por isso mesmo, tidas como essential facility. Essential facility é aquela infraestrutura essencial (duh) a permitir a entrada de um novo agente em dado mercado. Ou seja, aquela sem a qual um novo entrante desiste. As essential facilities são, além de essenciais, caras, normalmente associadas a custo afundado. Imagine um duto de transporte de derivados de petróleo. Se o agente que incorreu no custo de sua implantação resolver sair do mercado, não consegue utilizar aquela mesma infraestrutura em outro mercado; pode, no máximo, aliena-la a terceiro. Nesse exemplo, o custo é, literalmente, afundado. (Ahn? Ahn?)

Infraestrutura de transporte é, por isso mesmo, tida como essential facility. Qualquer transporte. Rodovias, ferrovias, eletricidade, dados. No caso do mercado de telecom, ter uma rede é condição sine qua non para qualquer agente. E por isso a maior parte dos países resolveu investir no uso racional dessa infraestrutura. Ao invés de deixar a cargo do mercado definir como será o custo em infraestrutura e como será o relacionamento entre os agentes, o órgão regulador define políticas de compartilhamento dessa infraestrutura, ampliando a competitividade e estimulando o investimento em qualidade de serviço para permitir ao consumidor a escolha entre os agentes.

Compartilhar infraestrutura, porém, significa, para seu detentor, abrir a porta de sua casa para que seu inimigo ali habite. Você bebe da água e come da comida do cara que quer o mesmo mercado que você. Você não pode nem propor um preço proibitivo para impedir que sua casa seja invadida. A única coisa que te resta é invocar questões técnicas. E, convenhamos, um bom técnico com uma boa argumentação consegue justificar quase qualquer coisa.

No final, o compartilhamento em um mercado em desenvolvimento e com uma extensão geográfica tão grande (não há que se falar no mercado de telecomunicações como um mercado local ou regional) termina passando pela administração dessa infraestrutura por um terceiro, imparcial. E foi essa proposta do Plano Nacional de Metas de Competição, submetido à consulta publica no ano passado, uma das questões mais ~polêmicas~ apresentadas pela Anatel, confundida com intervenção.

De fato, mal administrada essa proposta pode gerar um controle de mercado inimaginável no modelo atual. Cabe agora à Anatel e ao MiniCom, esse último na definição de políticas públicas para o setor, na tentativa de sustentar a proposta, demonstrar que não há o risco da captura e que a agência é madura, autônoma e independente o suficiente para conseguir criar regras isonômicas e objetivas para esse banco de dados de infraestrutura e para o seu compartilhamento.

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Sei que alguns de vocês se afastam da leitura desse blog toda vez que há uma referência minimamente jurídica, mas esse post foi inevitável. Tanto que é com ele que eu reinauguro a fase de produção frenética. Dessa vez, trago-vos uma discussão sobre colusão no mercado de ebooks justificada pela peça de um amicus curiae (perdões, mas o “amicus curiae” pediu o uso da 2a pessoa do plural).

Explica-se.

Fade in.
Em um local ermo, executivos se reúnem. Dentre eles, representante da Apple e das maiores editoras de livros digitais dos EUA. O objetivo da reunião é resolver o “$9.99 problem”, surgido com a estratégia de marketing da Amazon para popularizar ebooks e aumentar as vendas do Kindle e dos livros por ela comercializados em sua loja eletrônica.

A Apple, preocupada com as vendas de seu iPad (que tinha com um de seus públicos-alvo os leitores de ebooks), e as editoras, preocupadas com o valor indicado pela Amazon, muito próximo ao valor de custo do produto e considerado pouco atrativo pela própria Apple, pretendem definir uma contra-estratégia, que aumentasse o valor dos ebooks.

Emails são trocados em caráter sigiloso, tudo é feito de forma discreta e, obviamente, essa contra-estratégia culmina na celebração de contratos – em um modelo de “agency agreements” – entre Apple e tais editoras, com termos semelhantes e valores igualmente semelhantes.

Como consequência, as editoras revisaram os valores contratuais com suas outras distribuidoras e livros que seriam vendidos a $9.99 foram aumentados para valores entre $12.99 a $14.99, prejudicando o consumidor final.

Fade out.

Parece enredo de livro de John Grisham, mas não foi.

A exemplo do que acontece aqui com nosso Ministério da Justiça e o (novo) Cade, nas bandas de cima da América o Departament of Justice (DOJ) é responsável por verificar, evitar e punir práticas anticompetitivas e, no exercício dessa atribuição, percebeu que o mercado de ebooks estava comportando movimentos colusivos de alguns agentes.

Diante disso tudo, não restou alternativa ao governo dos EUA, a não ser propor uma ação civil, sob os seguintes argumentos:

9. The purpose of this lawsuit is to enjoin the Publisher Defendants and Apple from further violations of the nation’s antitrust laws and to restore the competition that has been lost due to the Publisher Defendants’ and Apple’s illegal acts.
10. Defendants’ ongoing conspiracy and agreement have caused e-book consumers to pay tens of millions of dollars more for e-books than they otherwise would have paid.
11. The United States, through this suit, asks this Court to declare Defendants’ conduct illegal and to enter injunctive relief to prevent further injury to consumers in the United States.

Como alternativa à submissão do assunto ao júri (vale lembrar que nas bandas de lá o júri é um direito fundamental, independentemente da matéria, ao contrário das bandas de cá, onde o tribunal do júri trata apenas crimes dolosos contra a vida), o DOJ propôs um acordo, nos seguintes termos:

1- As editoras devem encerrar seus contratos com a Apple dentro de 7 dias após a decisão.
2- As editoras devem encerrar seus contratos com os distribuidores caso tais contratos contenham (a) restrições na definição, pelo distribuidor, do valor de venda, ou (b) um preço mínimo de revenda.
3- Por no mínimo 2 anos, as editoras não podem celebrar contratos que limitem a discricionariedade do distribuidor em definir o preço do ebook.
4- Por no mínimo 5 anos, as editoras não podem celebrar contratos que indiquem o valor pelo qual o distribuidor venderá os ebooks.

As editoras alegaram que a proposta de acordo limitava sua liberdade de contratar e que propunha uma regulação ao mercado de ebooks, fugindo às atribuições do DOJ etc etc etc. Mas concordaram.

A Apple, irresignada (chique, hein?), argumentou que o preço da Amazon já era um preço monopolista, que impedia a entrada de novos agentes no mercado, que não havia base razoável nos custos para alegar ser um preço racional, pediu que o DOJ apresentasse a documentação obtida junto à Amazon e as notas tomadas pelos advogados durante as reuniões etc etc etc.

E, atendendo os pedidos do próprio Estado, que havia proposto a ação, diversos outros se manifestaram, na qualidade de amicus curiae, quanto aos termos do acordo. Um deles fez todo um arrazoado em parcas 93 páginas, onde explicava porque o comportamento colusivo dos réus favorecia o consumidor, apresentando precedentes que permitiriam o acordo entre empresas quando tal acordo fosse trazer maior eficiência econômica.

Parece que a juíza achou que 93 páginas era muito pra um amicus curiae e resolveu pedir um resumo: 5 páginas. Todos os argumentos do cidadão deveriam ser reduzidos a 5 páginas para serem aceitos pela corte. E aqui entra a justificativa para esse posto, porque o cidadão aceitou o desafio, apelando pra um tantinho de imaginação e inovação:

Ainda não deu certo não e talvez não dê, porque o DOJ agora alega que não há porque alguém, sem nenhum interesse na ação, resolver se rebelar contra um acordo que já foi celebrado e de forma legítima.

Mas fica a dica: a depender da reação da senhora juíza, quadrinhos serão aceitos. 🙂

***

Essa notícia saiu no Conjur e foi uma contribuição do Pedro.

[Em respeito aos leitores, não vou analisar o mérito do caso. Mas se você ficou curioso e quer acompanhar o desenrolar, clique aqui para ver o status do caso.]

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Existe uma frase célebre que tem passeado pelas timelines e murais de tuíteres e facebooks afora:

Quando todos pensam igual é porque ninguém está pensando.

Essa frase é atribuída a Walter Lippman, escritor e jornalista americano vencedor do Pulitzer em 1958, que tinha ideias bem radicais a respeito da mídia e da educação e para quem o jornalismo tinha como principal função informar o público sobre as medidas adotadas pelos políticos (“fazedores de política”).

Todo cerumano é livre para pensar o que bem entender. No campo do pensamento, a liberdade é absoluta; não há juízo de valor, não há condenação (e eu excluo a autocondenação imposta pela consciência).

O problema é que essa máxima foi levada ao extremo e hoje temos a ditadura da opinião. Todos estão livres, lépidos e soltos para expressar suas opiniões mundo afora, no ápice do individualismo. Mídias sociais permitiram isso e se por um lado facilita a informação, por outro nos leva a manifestar juízos de valor radicais e absolutos como apenas nossos pensamentos poderiam ser.

Uma sociedade pluralista que permite a seus membros desenvolverem-se em comunidades de acordo com seus interesses acaba por conflitar os indivíduos em batalhas diárias sobre quem tem a razão. Sejamos sensatos: hoje em dia, com a quantidade de informação de todos os tipos à disposição de um clique, de um papo, a probabilidade de eu pensar diferente de meus irmãos é bem maior do que a de minha mãe pensar diferente dos irmãos dela. O crescimento desse distanciamento é em progressão geométrica e ninguém acha isso algo ruim, desde que sejam garantidos – continuamente – o direito à liberdade de expressão (claro, com as limitações de sempre) e à liberdade de pensamento.

Levando esse raciocínio para uma comparação entre indivíduos de núcleos diferentes, com histórias de vida diferentes, valores diferentes, essa probabilidade aumenta (e é por isso que nos encantamos cada vez que nos vemos em alguém que teria tudo para ser nosso oposto).

Pessoas igualmente bem intencionadas e esclarecidas terminam por pensar de forma diametralmente oposta, sem possibilidade de conciliação possível. Um exemplo clássico é a interpretação do direito à vida: é ele que justifica a defesa contra e a favor da pesquisa com células-tronco. Pode?

Pode. O nome disso é desacordo moral razoável. E é exatamente isso que garante a co-existência de interesses e opiniões tão diferentes, todas elas merecendo o mesmo respeito. Observem que eu ainda estou no campo da opinião, do pensamento, aquilo que você lá no fundo acha de verdade sobre determinada matéria. Não se fala aqui em ação, em exteriorização do pensamento, mas apenas em todo o processo mental que te leva a concluir algo sobre algum assunto.

A ditadura da opinião impera em banners, em frases de efeito, em exclamações, em maiúsculas por toda a internet. Porque não basta ter opinião – é preciso mostrar como o outro está errado por pensar diferente, é preciso rir do outro.

Essa beligerância toda tornou impossível mesmo para os bem-intencionados debater qualquer assunto. E eu às vezes me pego não falando para evitar que aquilo que eu trago como opinião se torne bandeira de uma batalha de egos.

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Quem pensa que apenas casamentos e festanças tem RSVP, deixa de fora a feeeesta da democracia, bianual e da qual participo com assiduidade homérica há cerca de 10 anos.
Tanto que as pessoas no cartório me conhecem pela função desempenhada e toda vez, naquela reunião de instruções, falam “Você já sabe isso tudo, mas tem que assistir e assinar a presença.”
Sim, senhor. Sim, senhora.
Estou nesse exato momento fazendo check-in na festa da democracia e garantindo meu lugar. \o/

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Uma nova forma de resolução de conflitos:

Tente matar a outra parte, mate o advogado da outra parte e seja morto pelos policiais. Porque dentre todos os lugares onde você pode encontrar ambos, você vai escolher exatamente o fórum onde ocorrerá a audiência.

Ser advogado hoje em dia está virando algo muito perigoso…

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Estou nesse exato momento assistindo um programa chamado “Stealing Klimt“, sobre uma família judia antiga residente de Viena que teve seus tesouros capturados pelos nazistas. Dentre tais tesouros, jóias, porcelanas e obras de arte.

As obras de arte foram parar no Museu Nacional da Áustria e, depois de recorrer ao Judiciário austríaco (hahaha), ao Judiciário americano (conflito de competência resolvido no sentido de poder a ação ser julgada nos EUA, onde a senhora Maria Altmann, herdeira, morava à época) e, por fim, submetida a arbitragem na Áustria.

A senhorinha ganhou. Aos 80 e muitos anos ela recuperou os quatro quadros da família, forçou o governo austríaco a devolvê-los e pode vendê-los a uma media de 53.000.000 USD cada, para dividir com os outros 5 herdeiros. Bom saldo, né?

Mas eu lembrei dos tesouros egípcios nos museus espalhados pelo mundo. Complicado, hein? Porque se os austríacos ficaram divididos entre devolver o quadro pros donos verdadeiros ou ficar com eles em prol de uma história nacional, história essa vinculada ao nazismo (dispensa maiores explicações), o que dizer de nações que receberam os tesouros egípcios não em função de holocausto ou genocídio, mas de atos mais sutis, lentos, dispersos ao longo de séculos?

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