Em 1995 (isso mesmo, no século passado), o SBT exibiu o remake da novela “Sangue do meu sangue“. Não vi o original, mas pela trama de época, passada no segundo reinado, bem no período em que o abolicionismo estava na moda, lembro de ter sido esta a novela eleita por mim e pela minha irmã como aquela que faria palpitar nossos corações adolescentes com as cenas do próximo capítulo.
Não riam – eu tinha 13 anos e era uma menina tímida, ingênua e com uma inteligência acima da média (modéstia pra quê? rs), o que me tornava a aluna preferida dos professores, fato que, junto ao resto, me transformou em alvo de piadinhas da galera do fundão (da sala, não a ilha onde tem a UFRJ).
Lembro que em um dos capítulos, já na reta final da novela, quando os abolicionistas se reuniam com mais frequencia e ousadia do que no início, fazendo suas incursões para libertar escravos, um dos personagens declamou um poema do Castro Alves que – eu não sei porque – mexeu comigo de uma maneira impressionante.
Nesse ano, quase toda semana íamos para a casa da minha avó às 6as feiras, e por isso perderíamos a novela, não fosse o video e as fitas re-gravadas (e já com qualidade comprometida). Esse capítulo foi gravado e eu anotei o que consegui entender, na esperança de encontrar o tal poema.
Esse ano, há alguns meses, esbarrei em um livro de bolso da L&PM. “Os escravos”, do mesmo Castro Alves. Tinha o clássico “Navio negreiro”, e por este motivo comprei-o. Devorei-o em um dia, e na metade do livro achei o poema. Chama-se “Tragédia no lar”, e o trecho que eu ouvi na novela foi esse:
Leitor, se não tens desprezo
De vir descer às senzalas,
Trocar tapetes e salas
Por um alcouce cruel,
Vem comigo, mas … cuidado …
Que o teu vestido bordado
Não fique no chão manchado,
No chão do imundo bordel.
Não venhas tu que achas triste
Às vezes a própria festa.
Tu, grande, que nunca ouviste
Senão gemidos da orquestra
Por que despertar tu’alma,
Em sedas adormecida,
Esta excrescência da vida
Que ocultas com tanto esmero?
E o coração – tredo lodo,
Fezes d’ânfora dourada
Negra serpe, que enraivada,
Morde a cauda, morde o dorso
E sangra às vezes piedade,
E sangra às vezes remorso?…
Não venham esses que negam
A esmola ao leproso, ao pobre.
A luva branca do nobre
Oh! senhores, não mancheis…
Os pés lá pisam em lama,
Porém as frontes são puras
Mas vós nas faces impuras
Tendes lodo, e pus nos pés.
Porém vós, que no lixo do oceano
A pérola de luz ides buscar,
Mergulhadores deste pego insano
Da sociedade, deste tredo mar.
Vinde ver como rasgam-se as entranhas
De uma raça de novos Prometeus,
Ai! vamos ver guilhotinadas almas
Da senzala nos vivos mausoléus.
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