Outro dia estávamos conversando aqui sobre como as minorias acabam se aproveitando de sua condição de minoria pra ter vantagens. É aquela velha história: a segregação e o preconceito podem estar dos dois lados, no da maioria e no da minoria.
Hoje é dia do índio e não fosse o aniversário do bichinho do mato frequentador desse blog (também comemorado hoje), muito provavelmente eu teria esquecido.
Acho que nós chegamos a um ponto tal de absorção cultural que não existe mais essa de dia do índio, assim como não existe o dia do navegante português (existe?).
Uma coisa que nunca fez muito sentido pra mim, aliás, é porque as pessoas acham que manter a cultura dos povos indígenas equivale a manter os índios morando no meio do mato – ou, comparativamente, forçar a existência permanente da civilização indígena. Não se enganem: o único jeito de fazer isso sem agir de forma preconceituosa (injustificada, na minha opinião) é mantê-los isolados. Porque a partir do momento em que eles entrarem em contato com a “civilização” eles estarão modificados ou, ao menos, terão a possibilidade de mudar. E quem disse que isso é necessariamente errado e ruim?
Se pensarmos os índios como uma “civilização” exterior à nossa, de tal forma que a cultura deles deva ser mantida por diferenciar-se da nossa, então temos que admitir que eles têm autonomia pra tomar decisões, principalmente aquelas relacionadas ao futuro de sua cultura. E se (e se) eles quiserem integrar a cultura deles à nossa (ou vice-versa, tanto faz)? E se eles acharem que existem traços da nossa cultura que merecem ser absorvidos pela cultura deles (como o dormir em cama, por exemplo) e quiserem fazê-lo? Nós podemos impedir? Vamos criar reservas para que eles mantenham a cultura “in natura” que nem eles mais querem?
É hipocrisia dizer que o fenômeno da “aculturação” está atingindo os povos indígenas – tão hipócrita quanto dizer que existe uma cultura negra que deve ser preservada à parte da cultura brasileira. Afinal, isso aqui é um país um um acúmulo de povos que serão obrigados a se tornar museus vivos só pra satisfazer nossa curiosidade? E quem somos nós, afinal, se os índios continuam sendo os índios, os negros continuam sendo os negros?
A impressão que dá é que somos todos ainda navegantes portugueses e, acabando de chegar a essas terras, estranhamos os povos aqui encontrados – e achamos tão interessantes o jeito de viver deles que não queremos que eles mudem, pra que possamos chamar nosso rei aqui pra ver, e registrar em quadros, e escrever histórias.
Eu hein.
E a título de curiosidade, como bisneta de índios e negros e portugueses, eu ME autorizo a ter essas opiniões. Nada preconceituosas, por sinal. Manter a cultura de um povo, cuidar da memória dele, não equivale a sujeitar os últimos descendentes a uma situação de exclusão do resto da comunidade. No final das contas, os últimos índios acabam não sendo nem índios, nem brasileiros. Pelo menos vamos dar a eles a opção de sair do inciso do Código Civil que não os considera plenamente capazes…
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Bichinho do mato, feliz aniversário pra você. 🙂
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